O sudeste asiático
volta a ser palco de uma tensão histórica que mistura fronteiras indefinidas,
templos milenares e disputas diplomáticas mal resolvidas. Após quatro dias de
confrontos intensos entre Tailândia e Camboja, que já deixaram mais de 30
mortos e forçaram a evacuação de mais de 200 mil pessoas, os líderes
dos dois países concordaram em se reunir na Malásia na tentativa de
conter o que já é considerado o pior conflito entre os vizinhos em mais de uma
década.
Uma crise
que se reacende
As hostilidades se
intensificaram desde maio, após a morte de um soldado cambojano em um confronto
breve, mas simbólico. De lá para cá, a escalada foi rápida: artilharia pesada,
bombardeios em zonas civis, ataques a sítios históricos e acusações mútuas transformaram
a fronteira — em especial a província cambojana de Oddar Meanchey e a
tailandesa Sisaket — em um campo de guerra em plena efervescência
regional.
Segundo o
Ministério da Defesa do Camboja, a Tailândia atacou complexos de templos
históricos, enquanto o Exército tailandês acusa o país vizinho de
utilizar lançadores de foguetes de longo alcance em áreas civis. Em
meio ao fogo cruzado, estruturas como postos de saúde e escolas foram
danificadas, e a população local sobrevive entre bunkers improvisados e orações
por uma trégua.
Diplomacia à
prova
As negociações
previstas para esta segunda-feira serão mediadas pela Malásia, que preside
o Fórum Regional da ASEAN. O primeiro-ministro interino da Tailândia, Phumtham
Wechayachai, e o premiê cambojano, Hun Manet, devem se encontrar em Kuala
Lumpur às 15h (horário local).
A pressão
internacional tem crescido. A proposta de cessar-fogo partiu da própria
Malásia, e no sábado, o ex-presidente dos EUA Donald Trump afirmou
que os dois líderes haviam concordado em trabalhar por uma trégua — embora
detalhes concretos não tenham sido divulgados.
A questão central
permanece: será essa reunião um esforço genuíno de paz ou apenas uma pausa
estratégica antes de novos embates?
Templos
sagrados, disputas seculares
No centro da
disputa estão dois sítios arqueológicos sagrados: Ta Moan Thom e o
complexo Preah Vihear, este último reconhecido pela Corte Internacional de
Justiça como território cambojano em 1962. No entanto, desde que o Camboja
tentou registrar Preah Vihear como patrimônio mundial da UNESCO em 2008, as
tensões se intensificaram. Mortes esporádicas ao longo dos anos tornaram a área
um símbolo de nacionalismo inflamado em ambos os países.
O Camboja voltou a
recorrer à Corte Internacional em junho, mas a Tailândia se mantém resistente,
dizendo que nunca reconheceu a jurisdição do tribunal e prefere
resolver a crise por via bilateral.
Entre as ruínas
e o futuro
Apesar das trocas
de tiros e da devastação, vozes locais clamam pela paz. “Seria ótimo se a
Tailândia aceitasse parar os combates para que ambos os países possam viver em
paz”, disse à Reuters a estudante cambojana Sreung Nita, de Phnom Penh.
Mas o clima em
campo é outro: analistas militares tailandeses temem que as forças cambojanas
estejam preparando uma ofensiva final antes das conversas diplomáticas. Em
Sisaket, jornalistas ouviram explosões ao longo do domingo — sem clareza de
onde vinham.
Enquanto isso, a
população civil vive entre bunkers improvisados e orações abafadas, com
estruturas de saúde bombardeadas, bairros evacuados e incerteza sobre o amanhã.
Mesmo com a promessa de diálogo, o trauma está instalado.
O conflito entre Tailândia e Camboja não é novo, mas os episódios recentes trazem uma urgência renovada. Templos antigos e fronteiras imprecisas não deveriam ser pretexto para tragédias humanas contemporâneas. Se há espaço para diplomacia — e há —ela precisa ser exercida com mais do que discursos: exige coragem política, reconhecimento mútuo e, acima de tudo, respeito à vida civil.

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