Tailândia e Camboja: conflito na fronteira vira crise regional

Pessoas deslocadas abrigadas em Sisaket, Tailândia, em 26 de julho de 2025, após ataques de artilharia entre Tailândia e Camboja, mesmo após apelo de cessar-fogo feito por Donald Trump. Foto: REUTERS/Athit Perawongmetha


O sudeste asiático volta a ser palco de uma tensão histórica que mistura fronteiras indefinidas, templos milenares e disputas diplomáticas mal resolvidas. Após quatro dias de confrontos intensos entre Tailândia e Camboja, que já deixaram mais de 30 mortos e forçaram a evacuação de mais de 200 mil pessoas, os líderes dos dois países concordaram em se reunir na Malásia na tentativa de conter o que já é considerado o pior conflito entre os vizinhos em mais de uma década.

 Uma crise que se reacende

As hostilidades se intensificaram desde maio, após a morte de um soldado cambojano em um confronto breve, mas simbólico. De lá para cá, a escalada foi rápida: artilharia pesada, bombardeios em zonas civis, ataques a sítios históricos e acusações mútuas transformaram a fronteira — em especial a província cambojana de Oddar Meanchey e a tailandesa Sisaket — em um campo de guerra em plena efervescência regional.

Segundo o Ministério da Defesa do Camboja, a Tailândia atacou complexos de templos históricos, enquanto o Exército tailandês acusa o país vizinho de utilizar lançadores de foguetes de longo alcance em áreas civis. Em meio ao fogo cruzado, estruturas como postos de saúde e escolas foram danificadas, e a população local sobrevive entre bunkers improvisados e orações por uma trégua.

Diplomacia à prova

As negociações previstas para esta segunda-feira serão mediadas pela Malásia, que preside o Fórum Regional da ASEAN. O primeiro-ministro interino da Tailândia, Phumtham Wechayachai, e o premiê cambojano, Hun Manet, devem se encontrar em Kuala Lumpur às 15h (horário local).

A pressão internacional tem crescido. A proposta de cessar-fogo partiu da própria Malásia, e no sábado, o ex-presidente dos EUA Donald Trump afirmou que os dois líderes haviam concordado em trabalhar por uma trégua — embora detalhes concretos não tenham sido divulgados.

A questão central permanece: será essa reunião um esforço genuíno de paz ou apenas uma pausa estratégica antes de novos embates?

Templos sagrados, disputas seculares

No centro da disputa estão dois sítios arqueológicos sagrados: Ta Moan Thom e o complexo Preah Vihear, este último reconhecido pela Corte Internacional de Justiça como território cambojano em 1962. No entanto, desde que o Camboja tentou registrar Preah Vihear como patrimônio mundial da UNESCO em 2008, as tensões se intensificaram. Mortes esporádicas ao longo dos anos tornaram a área um símbolo de nacionalismo inflamado em ambos os países.

O Camboja voltou a recorrer à Corte Internacional em junho, mas a Tailândia se mantém resistente, dizendo que nunca reconheceu a jurisdição do tribunal e prefere resolver a crise por via bilateral.

Entre as ruínas e o futuro

Apesar das trocas de tiros e da devastação, vozes locais clamam pela paz. “Seria ótimo se a Tailândia aceitasse parar os combates para que ambos os países possam viver em paz”, disse à Reuters a estudante cambojana Sreung Nita, de Phnom Penh.

Mas o clima em campo é outro: analistas militares tailandeses temem que as forças cambojanas estejam preparando uma ofensiva final antes das conversas diplomáticas. Em Sisaket, jornalistas ouviram explosões ao longo do domingo — sem clareza de onde vinham.

Enquanto isso, a população civil vive entre bunkers improvisados e orações abafadas, com estruturas de saúde bombardeadas, bairros evacuados e incerteza sobre o amanhã. Mesmo com a promessa de diálogo, o trauma está instalado.

O conflito entre Tailândia e Camboja não é novo, mas os episódios recentes trazem uma urgência renovada. Templos antigos e fronteiras imprecisas não deveriam ser pretexto para tragédias humanas contemporâneas. Se há espaço para diplomacia — e há —ela precisa ser exercida com mais do que discursos: exige coragem política, reconhecimento mútuo e, acima de tudo, respeito à vida civil.

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